Jornal i – A lenda do visconde José Cid
10/17/2009 11:28:00 da manhã Publicado por Jolly Jumper
Podia ter regressado numa manhã de nevoeiro. Mas não. Foi numa das noites da Queima das Fitas do Porto, em 2003, depois de ter sido chamado à última hora para substituir o músico africano Bonga. “Pensavam que eu ia subir ao palco de muletas”, ironiza o músico, que aos primeiros acordes tinha a plateia de estudantes conquistada. José Cid retomava assim a carreira da qual se tinha retirado em meados dos anos 90, de forma “cínica e premeditada”, e voltava a estar na moda. Hoje, dia da Implantação da República, o monárquico assumido, de 67 anos, lança mais um álbum: “Coisas do Amor e do Mar” é um disco que vagueia entre o rock, pop, fusão e funk. Coerência estilística? Não, obrigado.
“Coerente era a minha avó”. Esta é uma das suas frases favoritas – e que faz questão de envergar ao peito, numa T-shirt preta com a sua assinatura. Mas só a vestiria mais tarde, já no conforto do lar. Antes disso, à hora marcada, depois da habitual sesta, surpreende-nos no parque de estacionamento da sua propriedade, em Anadia, montado numa bicicleta de montanha, chapéu de cavaleiro na cabeça e botas de equitação. Estranho? Nem por isso, afinal este é o homem que se deixou fotografar todo nu, com um disco de ouro a tapar os genitais. “Hoje nasço astronauta, amanhã sou agricultor.”
O regresso da lenda José Cid nasceu num berço de ouro e assume-o sem problemas. Mas com as devidas ressalvas: “Nunca o usei para tirar qualquer proveito, tudo o que conquistei foi pelo meu esforço. O meu pai nunca me deu um cavalo ou um teclado, isso jamais influenciou na minha vida. Tal como outros da minha geração, também tive de vergar a mola. Andei muito de autocarro e eléctrico e vivi um ano e meio com o meu ordenado de alferes” diz, enquanto prepara Valentim, a sua montada favorita para o salto em altura. “Não monto a cavalo por marialvismo. Estou no fim da minha carreira como cavaleiro, e no renascer da minha carreira como cantor.”
Não será errado dizer que José Cid conquistou um público pouco provável para a sua idade. Hoje, assistir a um concerto dele, é ver miúdos entoar o “Nasci para a Música” ou “Cai Neve em Nova Iorque” com o mesmo entusiasmo com que cantavam há dois anos as músicas dos D’ZRT ou dos 4Taste. Sobre estes últimos, Cid lamenta o seu desaparecimento precoce. “Eram miúdos das novelas, mas tinham musicalidade e energia.” Curiosamente, é ele que assina agora o tema do genérico da nova novela da TVI.
Gravar o tema da telenovela acontece depois de uma travessia de deserto de quase dez anos. Foi em meados dos anos 90 que se retirou “premeditadamente” para se dedicar à gravação de alguns discos com que sempre sonhou. “Tinha tido uma exposição tal até ao final dos anos 80 que achei por bem parar um pouco, continuar a tocar ao vivo mas longe de Lisboa”, justifica.
As novas experiências representaram uma espécie de regresso às origens do Quarteto 1111, longe da pressão comercial das editoras. Aliás, alguns desses discos nunca chegaram sequer a ser editados em Portugal. “Um álbum só com poesia de Garcia Lorca, um de jazz, outro a favor dos direitos humanos em Timor-Leste, entre outros. Eram projectos pouco comerciais, mas que queria muito fazer. As minhas melhores músicas não são conhecidas.”
Há dois anos, começou a fazer aquele que seria o seu novo disco. Às canções de amor e baladas, juntou-lhes a voz de Luís Represas, André Sardet e Susana Félix. Um regresso à ribalta? “O meu projecto de vida não é estar sempre na moda, é fazer canções, preservar a minha voz enquanto puder. Não é ser nº 1 nem ser seguido por excursões de merendeiros.”
Visconde do Lago Apesar de dividido entre a Chamusca, onde tem outra propriedade, e a Anadia, é na quinta onde nos encontramos que o músico passa grande parte do seu tempo. Além de poder montar a cavalo, o último andar do enorme palacete está reservado a um estúdio de gravação onde José Cid pode também dedicar-se à composição e pré-produção dos seus discos. Foi ali, entre as quatro paredes de um espaço exíguo, que nasceu grande parte da obra do cantautor português. “Gravei muita coisa, as músicas mais conhecidas foram feitas aqui: ‘A Cabana junto à Praia’, ‘Nasci para a Música’, etc.”
Herdada do pai em 1977, o músico vive hoje ali praticamente sozinho. Recebe visitas de amigos e familiares, mas, quando a noite cai, só um dos 14 quartos da casa é que fica ocupado. “Nunca me sinto sozinho, quando quero companhia agarro o telefone. Além disso, estive casado até há pouco tempo, fomos felizes durante dez anos e agora somos amigos. E durante as férias abro os portões para que as pessoas possam utilizar a minha piscina. Quando o sino toca, vai tudo embora.”
Na sala do piso térreo, as paredes contam histórias antigas. Há retratos dos antepassados da família, iconografia monárquica, e a carta onde o Barão do Cruzeiro requeria a construção do edifício. “Era o meu bisavô, que tinha um pequeno título heráldico da nobreza. Tinha uma família muito cotada aqui na região.”
Se Portugal vivesse uma monarquia, José Cid seria provavelmente chamado de visconde. É ele o sucessor directo do título. “E o portador da carta de armas”, acrescenta. Apesar disso, o músico prefere apenas ser conhecido por José Cid. “Sou amigo do Dom Duarte, já fui a casa dele discutir a atribuição do título de representante do Visconde dos Lagos, mas não chegámos a um acordo. Achei que não tinha de ter qualquer título, apenas representá-lo de forma não oficial, tal como represento o título de Barão do Cruzeiro.”
O facto de ser monarca não o impediu, no entanto, de receber convites para actuar na campanha às últimas legislativas. E aceitou, da direita à esquerda, embora no domingo, dia de eleições, tenha ficado em casa. “Não voto porque o sistema republicano não permite uma alternativa monárquica. Não sou anti-republicano, sou anti-republiquice. Não voto numa constituição que não gosto. Além disso, temos uma república sem sufrágio nacional.”
Políticas à parte, José Cid está agora mais do que nunca concentrado na sua carreira musical aparentemente rejuvenescida. Medo de envelhecer? “Só quando tenho um mulher bonita ao meu lado.”
Publicado em Causa Monárquica
18 de outubro de 2009 às 14:23
Zé Cid, um cavaleiro na verdadeira acepção da palavra mas, também, um cavaleiro andante da música.
Capaz de compor, com todo o á-vontade, diferentes personagens, viajou desde a canção de raiz histórico/épica até aos belos temas românticos passando, de caminho, pelo género cómico/ burlesco, sem nunca recorrer, contudo á pieguise ou ao brejeirismo excessivo.
Zé Cid é, verdadeiramente, um Professor Doutor da Música portuguesa, longe, ainda, da jubilação, felizmente.
Não sendo natural do concelho, é-lhe bastande dedicado e uma mais valia.
Para quando a merecida homenagem